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CANDIDEMIA 

Introdução de conceitos, principais agentes etiológicos, epidemiologia e distribuição da candidemia. Além das principais técnicas utilizadas no diagnóstico, tratamento e prevenção.

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CANDIDEMIA

A candidemia pode ser descrita como uma infecção sanguínea por leveduras do gênero Candida, que pode evoluir para uma infecção sistêmica devido ao acometimento de diferentes órgãos e tecidos simultaneamente, caracterizando um quadro de CI ou Candidíase invasiva sistêmica.

Essa infecção pode ser de origem endógena, ou seja, por leveduras pertencentes a microbiota, em decorrência de alteração imunológicas comuns em pacientes imunossuprimidos (portadores de HIV, pacientes submetidos a quimioterapia ou radioterapia), pacientes com diabetes, pós-cirúrgicos, com idade avançada, em uso prolongado de antimicrobianos, dentre outras condições. Essas infecções também podem ser de origem externa ao paciente (exógena) como, por exemplo, pelas mãos dos profissionais de saúde, equipamentos médico-hospitalares ou soluções venosas contaminadas.

É sabido que pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) têm de 5 a 10 vezes mais chances de serem infectados por espécies de Candida. Além disso, o fato dos pacientes de UTI, no geral, se encontrarem imunologicamente fragilizados, ao serem colonizados por espécies patogênicas de Candida, podem apresentar uma piora no quadro não só pela infecção por Candida propriamente dita, mas também por efeitos adversos das altas dosagem de antifúngicos para o tratamento da candidemia.

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GÊNERO CANDIDA

Candida é um gênero de levedura mundialmente conhecido por suas espécies patogênicas oportunistas e possui grande importância na saúde pública pelas altas taxas de mortalidade dos pacientes infectados por esses microganismos. O gênero é composto por mais de 200 espécies de leveduras, das quais algumas fazem parte da microbiota normal humana. No entanto, pouco mais de 20 espécies do gênero são patogênicas e podem causar doenças como Candidíase, Candidemia e Candidíase invasiva.

O gênero Candida é caracterizado por fungos que possuem células de leveduras, mas algumas espécies podem ser polimórficas, ou seja, que podem assumir mais de uma morfologia a depender das condições nutricionais e da temperatura de seu desenvolvimento. Candida albicans, por exemplo, pode se apresentar como células de levedura (unicelular), com pseudo-hifa (células de levedura alongadas e agrupadas) ou com hifas verdadeiras.         

Além disso, podem ser observadas em microscópio leveduras ovais hialinas (transparentes) isoladas (em brotos) e/ou filamentos hialinos com septos e pseudomicélio, podendo ter aspecto liso ou glaboso (enrugado) e coloração branca a creme em meio de cultura.

A identificação morfológica pode ser de interesse epidemiológico para controle de infecções hospitalares e resistência a medicamentos, uma vez que, algumas espécies do grupo possuem menor sensibilidade a alguns antifúngicos de forma intrínseca ou de forma adquirida, além de apresentarem estruturas que fornecem resistência, como os biofilmes.

A espécie de levedura mais frequentemente isolada em humanos é Candida albicans, entretanto, nas últimas décadas houve um aumento na frequência das internações de pacientes imunocomprometidos acometidos por outras espécies anteriormente consideradas raras. Paralelamente, o avanço biotecnológico trouxe uma melhora significativa no diagnóstico, sendo possível identificar outras espécies causadoras de candidemia, além das espécies mais comuns como C. glabrata, C. tropicalis e do complexo C. parapsilosis em todos os continentes.

Esses microrganismos unicelulares podem ser encontrados no trato gastrointestinal, nos pulmões, na uretra e entre outras regiões do nosso corpo. No entanto, algumas condições como quimioterapia e cirurgias, podem causar um desequilíbrio na microbiota, agravando o quadro clínico e, muitas vezes, levando à morte.

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UMA BREVE HISTÓRIA

C. albicans foi observada pela primeira vez pelo médico alemão Bernhard Von Langenbeck, em 1839, como agente etiológico de uma afta bucal em um paciente.  Apesar de alguns relatos, as doenças causadas por fungos ganharam notoriedade apenas no início do século XIX com as observações do entomologista italiano Agostino Bassi, que foi consagrado como o pai da Micologia Clínica.

No entanto, somente a partir das décadas de 1970 e 1980, que o estudo das infecções causadas por leveduras do gênero Candida ganhou destaque e importância clínica, recebendo padronização na taxonomia de seus agentes patológicos a nível internacional. A ampliação e globalização do conhecimento sobre o assunto possibilitou um maior entendimento acerca da candidemia, permitindo o avanço no seu diagnóstico, epidemiologia, tratamento e prevenção.

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EPIDEMIOLOGIA

Ultrapassando a marca de 400.000 casos anuais em todo o mundo, a candidemia é um grave problema não apenas em países em desenvolvimento, mas também em países desenvolvidos, como EUA e países europeus. Possui altas taxas brutas de mortalidade no Brasil e está entre as principais causas de mortalidade por infecções hospitalares, ultrapassando valores de 65% na rede privada e 75,3% em hospitais da rede pública.

Em torno de 38% das infecções fúngicas hospitalares são diagnosticadas em pacientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sendo o gênero Candida responsável por cerca de 80% dessas infecções. A prevalência da candidemia em pacientes críticos, possivelmente está relacionada ao maior número de procedimentos invasivos e tratamentos profiláticos ou antifúngicos submetidos a esses pacientes. O uso de antimicrobianos de forma prolongada, cateteres venosos centrais, insuficiência renal e perfurações gastrointestinais, são fatores que contribuem para o desenvolvimento dessa infecção. Os agentes infecciosos comumente isolados são: C. albicans, C. tropicalis e C. parapsilosis, representando mais de 80% dos casos de candidemia e possuindo taxas de mortalidade superiores a 80% em pacientes internados em UTIs.

Cada espécie possui um perfil epidemiológico que pode ser resumido da seguinte forma: C. tropicalis está associada a doenças hematológicas como neutropenia e a pacientes que passaram por transplante de medula óssea, estando entre as espécies mais frequentemente isoladas em pacientes com quadro de candidemia; C. parapsilosis está associada a altos índices de mortalidade em pacientes que fazem uso de sondas, cateteres, acessos, e outros dispositivos médico-invasivos. Enquanto que C. auris, anteriormente considerada rara, tem ganhado notoriedade devido ao aumento de sua frequência causando infecções. Esta espécie de Candida possui altas taxas de resistência a todas as classes de antifúngicos atualmente utilizados. Além disso, a dificuldade de identificação por meio automatizado torna seu manejo um fator limitante, contribuindo com o aumento da mortalidade de pacientes infectados com fungos dessa espécie.

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DISTRIBUIÇÃO

Candidemia pode ser estabelecida por diferentes espécies de Candida, sendo a prevalência de cada espécie variável de acordo com a área geográfica. Além disso, outros fatores podem influenciar na frequência das espécies, como idade avançada, doenças primárias nos pacientes (diabetes, neoplasias), surtos locais e o uso indiscriminado de antifúngicos, que pode resultar na resistência a esses medicamentos.

A resistência antifúngica e sua incidência no Brasil é de 2,49 a cada 1000 internações, o que aumenta o tempo de internação, os custos do tratamento e, consequentemente, gera problemas socioeconômicos. Tais fatos constituem um cenário preocupante dentro dos hospitais no Brasil. Estima-se que a candidemia estenda o período de hospitalização de 3 para 13 dias, elevando consideravelmente os gastos hospitalares, além de gerar maior vulnerabilidade dos pacientes, principalmente ao levar em consideração a situação econômica de muitos hospitais públicos brasileiros.

Desta forma, torna-se indispensável seu diagnóstico precoce e a prevenção de infecções exógenas. Portanto, a genotipagem e fenotipagem das leveduras tornou-se fundamental para o direcionamento do tratamento, visto que as taxas de resistência de espécies deste gênero a antifúngicos têm aumentado de forma preocupante nas últimas décadas.

Sendo assim, estudos epidemiológicos com levantamento das espécies presentes nos ambientes hospitalares e o estudo do perfil de sensibilidade a antifúngicos de cada espécie são imprescindíveis para um melhor diagnóstico e tratamento mais adequado para cada paciente.

Além disso, é indispensável a implementação de medidas entre as equipes multidisciplinares da UTI para o controle de infecções. Assim, torna-se possível o melhor entendimento de fatores de risco e seus intensificadores e permite-se um melhor e mais completo acompanhamento clínico durante todo o período de internação, além de facilitar ações proativas para o levantamento prévio de suspeitas, um diagnóstico clínico precoce e, por fim, uma evolução clínica mais favorável.

Candidemia: Publicações
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DIAGNÓSTICO

             O diagnóstico da candidemia é desafiador devido a vários fatores, como a ausência de sinais e sintomas característicos da infecção, a difícil aplicação de exames de diagnóstico em alguns pacientes de UTI, o surgimento de espécies patológicas emergentes e a resistência aos medicamentos utilizados no tratamento. Além disso, devemos também considerar o desafio para a melhora dos testes de diagnósticos a fim de uma detecção mais eficiente, mais rápida e que identifique mais espécies patogênicas. 

             Diante do aumento significativo de infecções por Candida e da frequência de espécies emergentes, a modernização de técnicas de diagnóstico tornou-se inadiável. Por não existir um método que seja sensível a todas as espécies de interesse e tão eficiente como precisamos, o diagnóstico deve ser realizado pela combinação de testes repetidos ou por mais de um teste juntamente com a avaliação clínica. 

             Existem variadas técnicas de diagnóstico, como exame micológico direto (EDM), cultura, antígeno/anticorpo e molecular in situ, as quais podem ser automatizadas ou não. As técnicas atualmente utilizadas ainda precisam ser otimizadas para melhor atender as necessidades de diagnóstico rápido, eficiente e em baixo custo. A hemocultura é considerada o padrão ouro de diagnóstico de candidemia, mas ainda possui limitações, assim como as demais técnicas atuais. 

             O diagnóstico precoce é preponderante para certificar um resultado favorável ao paciente. O atraso no início da ministração de antifúngicos em até 1 a 2 dias está associado a uma duplicação da mortalidade. Diante disso, necessita-se o quanto antes de técnicas de diagnósticos mais específicas e rápidas.

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EXAME MICOLÓGICO DIRETO (EMD)

             O EMD, geralmente realizado simultaneamente a hemocultura, permite a observação de estruturas fúngicas de amostras biológicas ao microscópico, sendo crucial para um diagnóstico com maior grau de confiabilidade. Essa análise pode ser realizada com pequenos fragmentos de tecidos, sangue ou secreções.

             Após a coleta, a amostra é colocada entre lâmina e lamínula e observada no microscópio. Com relação às leveduras do gênero Candida, podem ser observadas estruturas como: células globosas, ovaladas, elípticas e hialinas, além da presença,ou não, de pseudomicélio e micélio verdadeiro.

             Esse exame é importante para observar as estruturas fúngicas em parasitismo e nortear o diagnóstico, mas não possibilita determinar ao certo qual a espécie fúngica observada. O EMD, em conjunto com a obtenção de culturas e análise clínica do paciente, possibilita definir a presença do microrganismo e se o mesmo é o agente etiológico da doença.

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TÉCNICAS DE DIAGNÓSTICO - OBTENÇÃO DE CULTURAS

             Técnicas que utilizam meios de cultura para diagnóstico são indispensáveis para caracterização e diferenciação de microrganismos. A hemocultura e os meios cromogênicos são exemplos de obtenção de culturas para diagnóstico dos agentes etiológicos da candidemia, mas possui algumas desvantagens, principalmente com relação ao tempo e a confiabilidade na detecção de espécies de leveduras.

              A hemocultura é o padrão ouro de diagnóstico para candidemia e pode realizada através da coleta de sangue por pulsão venosa para pesquisa de patógenos, com a utilização de meios de cultura específicos para sua detecção específica. Ao analisá-las, é possível fazer a caracterização macroscópica dos microrganismos, como a coloração das colônias e consistência, as quais podem ser mucoides, lisas ou levemente enrugadas. Devem ser feitas coletas em duas regiões distintas do corpo antes do início do tratamento para não ocorrerem alterações no exame.

             Todavia, a hemocultura possui baixa sensibilidade (cerca de 50 a 60%, dependendo da frequência de amostragem e do volume de sangue coletado) e seus resultados têm atrasos de pelo menos 72 horas após a suspeita, dificultando o diagnóstico rápido e mais eficiente.  Ainda assim, a hemocultura é essencial e permite a identificação de espécies de interesse, permitindo uma terapia antifúngica direcionada à espécie identificada. 

             O uso de meios cromogênicos para o diagnóstico de espécies de Candida  permitem a identificação de C.albicans, C. tropicallis e C. krusei com elevado nível de especificidade e sensibilidade. Esses meios especiais produzem colônias com substratos secundários que variam de pigmentação a depender do microrganismo cultivado. Ao reagirem com enzimas secretadas pelos microrganismos, o meio se torna rosa (C. krusei), azul (C. tropicalis) ou verde (C. albicans). Com aplicação fácil e de baixo custo, se mostrou vantajosa principalmente para países em desenvolvimento e com recursos limitados. 

             Possui como diferencial a identificação presumida de espécies de Candida em 48 horas, permitindo que o tratamento medicamentoso seja iniciado em segurança antes da confirmação final da espécie, que seria em 72 horas. Sendo assim, vantajosa para o controle do aumento da resistência aos antifúngicos e do tempo de diagnóstico. Nas suas desvantagens, além de sua sensibilidade ser restrita a somente 3 espécies, as colorações que C. albicans (verde) e C. tropicalis (azul aço) adquirem no meio no início da "liberação", devido a sua semelhança, podem ser confundidas e resultar em um diagnóstico errôneo.

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TÉCNICAS DE DIAGNÓSTICO - ANTÍGENO/ANTICORPO

             Além da análise do patógeno propriamente dito, existem técnicas que usam de artifícios das respostas do sistema imunológico dos pacientes colonizados para suas respectivas identificações. Os antígenos e anticorpos gerados em resposta a infecções, podem ser utilizados como indicativos, específicos ou não, de um determinado tipo de infecção fúngica. Antígeno manana, de tubo germinativo de C. albicans (CAGTA) e  1,3-glucano (BDG) são alguns exemplos.

             A detecção de antígeno também pode ser aplicada na detecção de espécies de Candida, como antígeno manana (componente da parede celular fúngica) e anticorpo antimanana. Porém, a quantidade desse componente varia de acordo com cada espécie de levedura e com isso algumas espécies podem ser identificadas erroneamente como agente etiológico, levando ao uso de antifúngicos inadequados. Outro antígeno é o beta D-glucano, um marcador antifúngico detectável no sangue, mas que não permite a identificação específica de qual espécie é a causadora da infecção. Além disso, está ligado a vários casos de falso positivos, podendo fazer com que pacientes sejam submetidos a tratamentos mesmo sem estarem colonizados por Candida. O antígeno de tubo germinativo de C. albicans (CAGTA) também é capaz de identificar outras espécies, como C. parapsilosis, mas é mais limitada dos que outros testes de detecção de antígenos e possui menor sensibilidade. Outro componente da parede celular dos fungos é o 1,3-glucano (BDG), que também pode ser utilizado para o diagnóstico, mas os resultados positivos podem não distinguir infecções passadas das agudas. 

             O uso de marcadores precoces (antígenos, anticorpos) para infecções mostrou-se significativo, mas não revelaram-se eficientes na identificação de todas as espécies de interesse. Além disso, por serem passíveis de erros no resultado (falso negativo ou falso positivo) o padrão ouro no diagnóstico, até  então, é a hemocultura. Os demais testes mostraram-se mais eficientes quando associados com a hemocultura ou quando combinados e repetidos entre si, sendo desvantajosos por elevarem o tempo e o custo de diagnóstico.

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DIAGNÓSTICO MOLECULAR  IN SITU

             Com os avanços biotecnológicos surgiram diversas técnicas moleculares para diagnóstico utilizando o genoma de bactérias, vírus e fungos. A PCR, o teste LightCycler SeptiFast e o painel T2 Candida são exemplos de tecnologias que utilizam o genoma fúngico para a determinação mais precisa, e única, de cada espécie de levedura. 

             A técnica de PCR pode ser utilizada também para fins de diagnóstico, mas no caso de amostras de sangue com poucas células fúngicas a extração de DNA se torna um desafio, podendo levar a resultados falsos negativos. A biópsia de lesões suspeitas associada a PCR possibilita a detecção precoce e possui sensibilidade e especificidade em candidemia invasiva superior a 90%. O teste de amplo espectro LightCycler SeptiFast, permite a identificação de espécies dificilmente detectáveis por hemocultura e pode ser utilizado como complemento ao padrão ouro.  Além disso, por utilizar o método molecular multiplex para detecção de infecções sanguíneas, permite um diagnóstico mais rápido de infecções por bactérias e fungos em comparação com a hemocultura convencional. Consequentemente, auxilia na redução do uso de antibióticos e antifúngicos desnecessariamente, além de reduzir custos do tratamento. Mas esse método é muito trabalhoso e possui  sensibilidade  apenas para 5 espécie  de Candida (C. albicans, C. tropicalis, C. parapsilosis, C. krusei e apresenta baixa sensibilidade para C. glabrata), estando espécies emergentes fora da sua capacidade de identificação.

            O painelT2 Candida permite a identificação qualitativa das principais espécies patogênicas de Candida (C. albicans, C. tropicalis, C. parapsilosis, C. krusei e C. glabrata) entre 3 e 5 horas a partir de amostras de sangue total. O painel T2 Candida também pode identificar Saccharomyces cerevisiae, C. bracarensis, C. metapsilosis e C. orthopsilosis, mas não detecta a espécie emergente C. auris. O método automatizado combina a ressonância magnética com o diagnóstico molecular e, ao amplificar o DNA, detecta o produto amplificado e identifica a espécie de interesse. O painel T2 Candida mostra-se promissor e possui baixo custo.

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RESULTADOS

             Métodos de diagnóstico rápido utilizados para infecções fúngicas são aguardados há muito tempo, principalmente com intuito do início precoce do tratamento, bem como um terapia antifúngica direcionada. No entanto, devido a vasta variedade morfológica da Candida, o diagnóstico por sintomas clínicos mostra-se inespecífico e, consequentemente, ineficiente. Contudo, a abordagem mais eficiente mostrou ser por meio da associação de hemocultura com outros testes diagnósticos a base de DNA, resultando em uma potencial melhora no tempo, sensibilidade e especificidade do diagnóstico.

             Vale ressaltar que o nível de sensibilidade ou especificidade não descarta o fato de que os médicos devem aceitar um nível de incerteza ao interpretar os resultados pois os testes de diagnóstico não são determinantes e sim, biomarcadores bayesianos que atribuem uma probabilidade (ou não) da presença de infecção. Ou seja, até então, não possuímos um método confiável e eficaz como convém, sendo necessário mais estudos e dados para a adoção de um outro padrão ouro de diagnóstico.

Candidemia: Publicações
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TRATAMENTO

             A candidemia é uma infecção com tratamento desafiador, sendo ocasionada por pouco mais de 20 espécies de leveduras do gênero Candida. Cada espécie fúngica possui suas particularidades, a começar pelo código genético, fazendo com que cada espécie apresente uma resposta única interespecífica aos antifúngicos utilizados no tratamento da candidemia. Além disso, fatores clínicos dos pacientes, podem implicar na vasta variedade de metodologias de tratamento, como doenças de base, uso crônico de determinados medicamentos e estado clínico do internado. Essas questões refletem diretamente em qual antifúngico será utilizado, na dosagem e no tempo de tratamento, o qual pode durar dias, semanas ou meses. 

             Atualmente existem 4 famílias de antifúngicos, os quais são utilizados para o tratamento de candidemia: polienos, azólicos, equinocandinas e análogos de pirimidina. Cada uma dessas famílias possui um mecanismo de ação próprio e aplicabilidade variável, a depender da espécie de Candida e do local de infecção, podendo ser administrados por via oral ou venosa.

Candidemia: Publicações
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POLIENOS

             Os polienos são macrolídeos, grupo de antibióticos que apresentam em sua estrutura um anel de lactona com afinidade de ligação a açúcares. Esses antimicrobianos possuem baixa solubilidade em água e alta afinidade a ergosteróis que compõe a membrana das células fúngicas. Ao se ligarem à membrana fúngica promovem a formação de canais iônicos por onde as células perdem íons para o meio extracelular, resultando em um desequilíbrio eletroquímico. Como resultado a célula passa por estresse oxidativo e morre.

            Dentro dessa família está a anfotericina B (AmB), uma das primeiras moléculas utilizadas clinicamente para tratamento de infecções fúngicas. A maioria das espécies de Candida possui sensibilidade próxima a 100%, exceto C.auris que apresenta 10 a 30%. Além disso, poucas espécies apresentam resistência intrínseca ou desenvolvem resistência secundária, mesmo após anos de utilização no meio clínico. Com relação à resistência, está geralmente atrelada a mutações em genes que codificam enzimas relacionadas a síntese de ergosterol.  

É comumente utilizada em casos de micoses sistêmicas.

NOVOS ANTIFÚNGICOS

             Considerando o fato do aumento da resistência fúngica e o limitado número de famílias de antifúngicos disponíveis, pesquisas têm sido direcionadas ao estudo e caracterização de novos antifúngicos,  tendo a parede fúngica como alvo principal. Entre eles podemos citar: a rezafungina, o ibrexafungerp e o rosmanogepix.

            A rezafungina seria uma nova integrante da família das equinocandinas. Possui o mesmo mecanismo de ação das demais da família, mas tem como vantagem poder ser utilizada em intervalos semanais maiores uma vez que possui um tempo de meia vida mais longo, sendo assim, interessante para a profilaxia em pacientes receptores de medula óssea. O ibrexafungerp, assim como as equinocandinas, age na parede celular fúngica. Foi aprovado para uso clínico em junho de 2021 nos Estados Unidos da América e é altamente biodisponível, podendo ser utilizado por via intravenosa ou oral. O fosmanogepix é um pró-fármaco que inaugura uma nova família de antifúngico e possui ação inibidora em enzimas relacionadas ao crescimento de células fúngicas. Além do fato de possuir afinidade apenas com células fúngicas e não com humanas, possui a vantagem de ter atividade em espécies de Candida resistentes a azólicos e equinocandinas.

IMPLICAÇÕES

             Tendo em vista o aumento significativo das taxas de resistência aos antifúngicos, o tratamento tem sido atualizado constantemente. Esse aprimoramento depende de fatores como: presença ou não de histórico de uso de antifúngicos, epidemiologia e histórico de surtos de determinadas espécies no hospital do paciente internado. Além disso, a disponibilidade de biofármacos e quadro clínico do paciente são importantes questões para nortear essa atualização.

            Determinados antifúngicos podem, ainda, ter ações antagônicas e, a depender de sua administração no decorrer no tratamento, pode resultar na perda ou diminuição considerável de sua eficácia, ocasionando o desenvolvimento de resistência ao antifúngico utilizado. Além disso, cada antifúngico possui características particulares, como variações na dosagem mínima necessária e o nível de penetração em determinado sítio corpóreo.

            As equinocandinas, por exemplo, são geralmente indicadas a pacientes críticos, mas possui baixo potencial de penetração no tecido do globo ocular e no tecido gastrointestinal. No caso da endocardite e infecções no sistema nervoso central, a equinocandina também não possui bom potencial de penetração e, nesses casos, o fluconazol pede doses altas, sendo assim o anfotericina B (AmB) mais indicado para o tratamento.

             Outra questão está relacionada a farmacocinética dos antifúngicos, que podem reduzir suas concentrações no sangue durante a fase crítica, podendo ser ineficazes e contribuir para o aumento da mortalidade. Ademais, podem aumentar suas concentrações a partir de interações farmacológicas, podendo ser prejudiciais ao paciente, sendo necessário o monitoramento das concentrações plasmáticas dos antifúngicos em determinados casos. Um exemplo é o da Anfotericina B, que possui a capacidade de se acumular nos tecidos à medida que sua concentração no sangue diminui, sendo capaz de atingir altas concentrações no pulmão, cérebro, baço, coração e rins, podendo ser benéfico ao ocasionar resolução da infecção, mas podendo causar efeitos adversos como quadro de toxicidade renal.

CONCLUSÃO

             Portanto, o tratamento de pacientes, principalmente em estado crítico, geralmente é complexo por várias implicações no uso dos antifúngicos, acarretando em incertezas para o estabelecimento do melhor tratamento. Por isso, muitas vezes, torna-se necessário adequar as diretrizes de tratamento para pacientes em particular, sendo necessária a utilização de antifúngicos de maneira combinada. Dessa forma, é necessária atualização constante dos tratamentos disponíveis e conhecimento do agente etiológico, em nível de espécie e do perfil de susceptibilidade antifúngica, para o direcionamento da abordagem terapêutica apropriada.

             A complexidade do tratamento de candidemia, bem como os mecanismos de resistência do gênero Candida aos antifúngicos, torna urgente a realização de novas pesquisas com foco na busca de novos antifúngicos, na abrangência dos alvos terapêuticos, em estratégias de prevenção e tratamento destas infecções.

Candidemia: Publicações
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PREVENÇÃO

            A prevenção da candidemia continua a ser um desafio, devido às dificuldades encontradas na realização de diagnósticos precoces e tratamentos mais eficazes. É realizada de forma semelhante à prevenção de outras infecções hospitalares e inclui a identificação de fatores de risco, controle de doenças de base e programas com medidas para evitar a transmissão e contaminação dentro do ambiente hospitalar.

            O diagnóstico e identificação, de maneira precoce, de pacientes acometidos, juntamente com preparo da equipe médica para evitar a disseminação de infeções para outros pacientes, previnem maiores complicações ao paciente diminuindo o tempo de internação e mortalidade. 

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REFLEXOS DO DIAGNÓSTICO E DO TRATAMENTO NA PREVENÇÃO

            As dificuldades enfrentadas no diagnóstico da candidemia contribuem para o aumento de complicações, do tempo de internação e, consequentemente, provocam a utilização de medicamentos por períodos mais longos. Com isso, comumente se torna necessário o aumento da dosagem dos antimicrobianos ao longo do tratamento, o que pode favorecer os mecanismos de resistência de Candida. Com o tratamento sendo dificultado, o paciente pode sofrer complicações atreladas ao tratamento da infecção ou de sua doença de base, levando a uma maior necessidade de intervenções médicas, o que pode contribuir para a transmissão entre pacientes hospitalizados.

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CONDUTA MÉDICA E PROGRAMAS DE PREVENÇÃO

            Como foi dito, é comum a transmissão de candidemia entre pacientes internados, mas esse fato está muito associado às condutas e práticas da equipe médica. Portanto, é crucial o estabelecimento de diretrizes para permitir a devida identificação e separação dos pacientes com candidemia de outros não acometidos. Além do desenvolvimento de medidas profiláticas como a higienização correta das mãos, equipamentos e a utilização consciente de EP’s.

            Entre as medidas de prevenção de infecções pode-se citar a metodologia de Bundler, a qual envolve um conjunto de estratégias e medidas que devem ser aplicadas, conjuntamente, em todos os pacientes que estão sob o risco de contrair ou transmitir infecções. O Bundle pode incluir educação e treinamento da equipe de saúde e o estabelecimento de estratégias (como a escolha do local para a inserção de cateter) a fim de prevenir a infecção na corrente sanguínea.

            Esses pacientes devem ser observados de forma sistemática, medicados com a menor dosagem possível de antimicrobianos e ter procedimentos invasivos evitados (como utilização de cateteres). Os pacientes que utilizam cateteres são beneficiados com programas de prevenção que incluem: higienização das mãos e materiais, antissepsia da pele, escolha do sítio de inserção adequado, reavaliação diária da necessidade do cateter, entre outras medidas. Além disso, a técnica da vedação de cateter com antifúngicos pode ser utilizada para prevenção ou eliminação da formação de biofilme (estruturas de resistência fúngica).

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A PROFILAXIA E A IMPORTÂNCIA DO SISTEMA IMUNOLÓGICO NA CANDIDEMIA

             Como sabemos, a infecção da corrente sanguínea é comum em pacientes imunossuprimidos, conferindo maior susceptibilidade ao parasitismo por Candida. A profilaxia é uma outra medida preventiva aplicável em alguns pacientes, como os transplantados, com doenças de base que comprometem o sistema imunológico e neonatos com baixo peso. Mas essa medida ainda é controversa por ser contraindicada a alguns pacientes e estar relacionada a maiores taxas de resistência, dentre outras complicações.

            Sendo assim, o controle de doenças de base, principalmente as que comprometem o sistema imunológico, são primordiais para a prevenção de infecções por Candida. Além disso, o conhecimento de características imunogenéticas individuais torna possível identificar pacientes mais propensos a adquirir infecções fúngicas, possibilitando uma profilaxia mais direcionada e o tratamento de maneira mais particular.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A prevenção da candidemia começa com a prevenção de surtos hospitalares, que inclui o uso de antimicrobianos de forma consciente, preparo da equipe médica, diagnóstico e tratamento precoce, e a intensificação de medidas sanitárias. Assim, é possível evitar o aumento da taxa de resistência aos tratamentos, a maior taxa de mortalidade e os altos gastos hospitalares.
            As medidas estratégicas para prevenção de infecções devem ser feitas com o aprimoramento do diagnóstico (a fim de identificar precocemente fontes de infeção e pacientes doentes), conhecimento e preparo da equipe médica (para um melhor preparo e driblagem da disseminação de patógenos), tratamento consciente (com a utilização de antimicrobianos de maneira prudente) e contenção da infecção (afim de evitar sua disseminação).
             Portanto, torna-se necessária a implementação de políticas públicas voltadas para prevenção, vigilância e controle mais rígido dos fatores de risco dentro do ambiente hospitalar. Fatores esses, associados ao cuidado dos profissionais para o manejo adequado da candidemia e controle epidemiológico de novos surtos por espécies de Candida albicans e Candida não-C. albicans. Favorecendo, assim, a evolução clínica para um melhor diagnóstico, tratamento e prevenção da candidemia.

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FONTES

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